quinta-feira, 16 de março de 2017

A GAROTA DO CANTO DA FESTA


N.A. Esse post deve ser lido ao som de The Lovercats do The Cure

Ela detestava festa de 15 anos, mas teve que ir a algumas. Principalmente pela exigência das roupas horrorosas da década de 80. Era pré-dark e usava botinas estilo coturno. Também tinha aversão ao pop e geralmente se divertia quando colocavam The Cure. Nessa hora os adolescentes faziam caras e bocas para o som estranho. Ela curtia quieta no canto.
Quando um rapaz se aproximava para um papo daqueles, fazia cara de Robert Smith. Teve o cabelo com corte de um lado semi-raspado e do outro meio Chanel. Usava minissaia camuflada e o eterno olhar blasé. Os meninos não gostavam muito.
As amigas eram meio Madonna Procura-se Susan Desesperadamente e usavam maquiagem nos olhos de cor verde. Era uódoborogodó! E só falavam de ficar e dançar com os meninos. Ela se isolava do salão e ficava só, geralmente naquilo que ela chamava de canto de invisibilidade. Ela era a garota do canto da festa.
Enquanto as mães reclamavam que suas filhas no viço da adolescência para juventude estavam namorando e esquecendo os estudos, a garota do canto da festa nutria amores platônicos, pelo menos isso a inspirava em suas poesias e choros sem sentido, derivados da mudança hormonal.
As quase mulheres de sua idade falavam de boatinhas dominicais. Ela, de sua experiência de tomar sozinha 10 garrafinhas de vodca que o pai ganhara de um embaixador. Apenas uma amiga entendia seus papos e lia seus escritos chamados EMPTY GARDEN, uma alusão a música do Elton John. Eram sobre amores oníricos em lugar não existente nos mapas, num caderno de capa com gravuras impressionistas.
Sim, era esquisita para os padrões. Ela adorava isso. Era seu refúgio e sua mãe dizia que ela vivia numa bolha. Gostava de se vestir como o Arnaldo Antunes dos Titãs e isso causava maior estranheza ao grupo juvenil.
Entre tantas festas, a garota do canto foi em uma delas num sábado à noite. A casa era enorme e isso desafiava qual seria o canto escolhido. Entre as “loiras geladas” do RPM, ela foi logo para o canto perto de uma escada antiga de madeira. Fez a cara de tédio. Em seguida começou a tocar Lovercats do Cure. Isso a animou e dançava sozinha no canto em slow motion e olhos fechados.
Ao abrir os olhos, seu grande amor platônico estava à sua frente e se ofereceu para dividir o canto. Ela gelou. Robert Smith no 3 em 1. Lovercats no fim. Ele a beijou e foi embora. Desde então ela saiu dos cantos da festa e hoje é a garota da pista, mas aí é outra história.
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