quinta-feira, 30 de novembro de 2017

A SUA CARTA

Ontem escrevi de próprio punho, minha carta de amor a você. Daquelas cartas honestas, alma lavada, sem dramas ou adjetivos que tentam burlar a simplicidade do sentimento de amar.

Eu assistia a um filme que considerava água com açúcar pela sinopse, mas se revelou uma crônica de como nos enganamos ao projetar nossas incessantes expectativas no outro. E aí, num belo dia, acordamos com alguém que não era a pessoa idealizada. E pior, delegamos a culpa ao par por não ter se tornado aquilo que criamos num mundo só nosso, baseado em sei lá o quê.

Bem meu amor, e digo isso na carta, que vou te chamar de amor, mesmo sempre ter achado isso deveras brega e avesso a minha natureza um tanto rude, que nesta noite da carta eu enchi meu ser de doces. Não estou com desequilíbrio hormonal, mas talvez de forma inconsciente, aplaquei minha acidez e certa agressividade que quiseram tomar conta do meu dia.
E, de repente, me vi com uma caneta e papel na mão, além da ideia persuasiva de lhe escrever essa carta, que vou lhe entregar no momento certo, do jeito certo e acompanhar sua leitura silenciosa e esboçar de um riso tolo, porém emocionado.

Até pouco tempo mantinha a certeza que esse sentimento teria que acontecer de forma avassaladora, derrubando exércitos de ansiedade, invadindo aldeias de insanidade de pensamentos e conquistando territórios arfados. Nada contra toda essa turbulência típica dos amantes, havia projetado amores verdadeiros como tanques de guerra. E quando alguém chama pessoa ou meta de guerreiro, significa que há luta. E se há luta, não existe paz!
Ah, você me dá paz e não é algo tedioso. Há um fino equilíbrio no que poderia se dizer olhando de fora “nossas diferenças”, que se traduzem em nos transbordarmos. Você ri, mas sei que não é deboche ou descrença, mas uma sutil admiração desse meu jeito empolgada.
E você cuida sem impor autoridade. Lá dentro meu coração o compasso é “já ganhou, já ganhou”. Eu tenho 15, 20, 30, 40, 100 anos quando estamos juntos. E além da carta vai ter um post, mas você merece, sim merece meu amor!

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terça-feira, 31 de outubro de 2017

QUANDO FALARES DE AMOR

E quando falares de amor,
por favor,
não me venhas com o pio da cotovia e tampouco o leve balançar dos galhos de amoreira no zérifo matinal.
De ti dispenso os protocolos em que comparas o castanho dos meus olhos a qualquer semente amadeirada, assim como falas do meu riso torto a um certo temor juvenil.
Não te demores!
São noites de horrores sem a tua presença.
E se pareço uma ópera com árias distintas,
deves bem saber que passo do allegro ao adágio,
como o sutil toque dos segundos de um relógio.
As palavras me escapam nas divagações incertas sobre nós.
Mas ao pensar plural, se corre o risco de intromissão naquilo que o outro realmente pensa.
Ah, tu me confundes!
Contudo, nesse abismo em queda livre, me basta contemplar a paisagem,
pois dizem os sonhadores, que do outro lado do medo
há uma vida de maravilhas.
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terça-feira, 17 de outubro de 2017

SOB ENCOMENDA

Quando assumiu a escrita como ofício, pensou que seria algo glamuroso, épico, um status parecido com celebridade. Talvez as referências ainda românticas sobre o que é a escrita, tenha desafiado o papel virtual em branco, as ideias e a encomenda.
Uma grande amiga, uma irmã de alma pediu um texto, um poema, uma série de palavras cúmplices para descrever o seu amor por seu novo companheiro. Mas o desafio lhe pareceu maior, quando tentou fazer a conexão daqueles sentimentos que acompanhou pouco a pouco, de toda ordem, tempo e lugar, mas que descrevia o amor dela e dele, ao contrário se fosse dela própria e dele próprio.
Então usou da observação e do seu amor pela amiga para dizer como a viu crescer. Que admirou a retomada de uma amizade que teve aqueles desencontros típicos, mas que estava num baú muito especial.
Naquele final de ano, daquela cena quando vimos um casal se beijando entre os fogos de artifício, aquela energia foi realmente mágica. Da cumplicidade que se fortaleceu em taças de vinho, passeios, madrugada a fio de conversas, risos, choro, ah as lágrimas, caíram fácil, muito mais dos seus olhos do que dos meus. Ainda choro, mas as lágrimas não me caem com tanta facilidade, porque você sabe as casquinhas, agora bem mais suaves do meu coração.
Porque sou uma ópera e você é um rock´n roll com samba e afro music, tudo misturado. Mas eu derivo, porque é impossível falar de você, da sua jornada dentro de linhas retas e margem definida.
Você esteve mais no pele a pele comigo, mas representa todas as minhas maravilhosas amigas da temporada. Você sabe de todos os meus segredos, todos!!! Eu apago os rastros de navegação, da comida do prato, mas deixei com você todo o meu sentimento revelado. Todas as náuseas e todos os segredos dos meus amores e dissabores.
Mas onde está o texto da encomenda? Deve estar me perguntando. Então eu respondo minha querida, isso tudo é para seu amor saber quem você é. E o quanto você se fez para chegar até ele. E eu estava lá no dia que se conheceram. Que dádiva!
Agora as lágrimas chegaram fáceis nos meus olhos, porque ver o amor de vocês assim ainda tão bebê me fez de novo acreditar nas infinitas possibilidades. Desculpe-me, mas sempre fui boa em fazer os outros chorarem, talvez tenha habilidade de terceirizar essa emoção. Sou drama, mas sou comedia, você sabe.
Vocês são meus afilhados, meus lindos, minha inspiração. Obrigada por me mostrar que o amor é fácil. Licença que a vista embaçou de um jeito mais lindo do mundo.

domingo, 17 de setembro de 2017

Ele sobre ela (porque ele não sabe escrever)

E nela eu via um mundo zen
mas com jeito punk
Porque era paz, era sol, era vida
e de repente se fazia séria, brava
e às vezes até cara de gente sofrida

Tinha um jeito criança
num corpo juvenil
sua maturidade me matava
de modo sutil, sutil

E me encantava com suas histórias
um tanto inverossímeis
lindas, bem construídas
como mísseis a atingir meu coração

E ela chegou lá
Eu deixei
Não tinha como não se envolver
Ela entra sem a gente perceber

Porque ela era uma punk
Com jeito inverossímil
De uma maturidade juvenil
Que me fazia envolver


De modo sutil
atingiu meu coração
Com espírito zen
de uma criança

Eu deixei suas histórias
Me bombardearem como mísseis
de gente com vida, paz e sol
e me envolver, me envolver



quinta-feira, 17 de agosto de 2017

APESAR

Apesar
Da aparente apatia
existia um dia
que a gente ria
e não sabia
o motivo da
tal alegria

Apesar
das nossas distrações
um do outro
que nos afastou
pouco a pouco
ainda tínhamos
nossos corações

Apesar
de você ser frio
e eu ser quente
De querer o dia
e você a madrugada
e você tomar sol
e eu chuvarada
a gente não
achava que fazia
a coisa errada

Apesar
das conjunções astrais
dizerem que éramos fogo
água, terra e ar ao mesmo tempo
que nunca seríamos para sempre
foi bom, foi único
foi corpo
foi mente

sábado, 5 de agosto de 2017

POEMA QUÂNTICO

Não era físico
e vibrava como uma onda
tinha freqüência, mas
faltava ressonância

Metafísico
Orgânico
Nos olhos do gato
se conectavam

Mas tinha o medo
Um segredo
Processo de limpeza emocional
Nunca viu nada igual

Eu digo meu bem,
Não importa o resultado
A vida é amor
É machucado
Só não pode deixar
O sentimento estagnado

Então tudo que é metafísico
Se torna ressonante
E vibra na alta frequência
Lide com a tal da impermanência

quinta-feira, 4 de maio de 2017

FÓRMULA PARA TE ESQUECER

Dentro do pote estavam guardadas as memórias. Eram piadas bobas compartilhadas com um bom vinho ou até uma cerveja gourmet, olhos brilhantes, mensagens de texto em aplicativos diversos, brigas sem motivo aparente, estavam todas misturadas.
Num primeiro momento despejei tudo e tentei separar. Mas qual o sentido de separar tudo aquilo? Seria uma bela desculpa para pegar um restinho e guardar num novo pote. E se fizesse isso, a fórmula não traria o efeito desejado.
Depois de preparar o caldeirão e colocá-lo sobre fogo, precisava de uma música para o ritual. Tentei escolher algo que não remetesse a você e só me restou A CAVALGADA DAS VALQUÍRIAS DE WAGNER. Minto - isso era você puro!
Nas cápsulas estavam todos meus sentimentos represados: paixão, ilusão, desejo, sonhos, expectativas. Todas foram para a panela, depois joguei as indiretas, as entrelinhas, as insinuações. Salpiquei com novos olhares cúmplices.
Na horta, colhi os temperos das promessas, dos encontros, dos telefonemas e de uma vida a dois unilateral. Tudo ia se misturando e formando uma calda espessa, uma fumaça densa, enquanto a música chegava ao clímax.
A CAVALGADA DAS VALQUÍRIAS no repeat umas cinco vezes.
Para finalizar, teria que arrancar meu coração.
Tomei coragem.
Algumas lágrimas escorreram.
Respirei fundo.
Decidi não me anestesiar.
Finalmente o golpe e a surpresa: ele não estava lá!
Procurei por todos os lugares, desarrumei todas as gavetas e aí tive uma visão: você havia tomado ele prá si.
Mas determinada em seguir com a fórmula, substitui o ingrediente.
Agora é só esperar para ver se funciona.
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domingo, 26 de março de 2017

AQUELA CONVERSA INBOX

(barulho de notificação)
Ela olha, mas não liga.
Duas horas se passaram e então ela decide navegar. Está lá a notificação. Abre o perfil e não reconhece quem é a pessoa.
Exatamente no momento onde vai investigar a identidade, o bate-papo está ativado.
- Oi. Lembra de mim?
Não diz nada e tenta desesperadamente saber quem é.
- Oi, sou amigo, do fulano, primo do sicrano, daquele dia, daquela hora, daquele local e razão.
- Oi. Ela responde.
A memória não ajuda, nem com todas as dicas. Dezenas de amigos comuns.
As bolinhas de reticências que indicam que do outro lado da tela alguém está digitando não param. Ela fixa nas bolinhas saltitantes. Ora elas pausam, depois voltam a dançar e nada aparece na caixa de diálogo.
- Lembro sim. Tudo bem com você?
A memória vai refrescando, saindo de uma névoa de mais de uma década.
A seguir vem um textão. A pessoa conta a vida de um tempo longo sem comunicação ou notícia. Um pouco atônita com a enxurrada de informações, começa a se soltar e contar algo de si. Em meia hora já estavam íntimos ou quase isso.
Quando notaram, duas horas de conversa se passara. Pausa dada por ela. Tinha compromisso.
Lá à noite resolveu retomar o papo. Continuaram madrugada adentro. E assim no outro dia, em qualquer horário. Links de músicas, de fotos, de risos, piadas. Já eram cúmplices. Ou não. Conheciam as rotinas um do outro, o nome dos vizinhos e familiares. Do gosto musical e de quem pingava azeite de oliva sobre o arroz. Fizeram um trato maluco e se chamavam por nomes inventados.
Combinaram de se encontrar algumas vezes, mas sempre tinha um impedimento. Qual era mesmo? O medo da quebra da mágica da tela, às vezes um anjo protetor, noutras um demônio da exposição.
As semanas passaram num piscar de olhos. Parecia acontecer algo, uma dependência. Tudo, absolutamente tudo era compartilhado com pedido de opinião alheia. Teve até DR! E aí chegou o fatídico dia. Nenhuma notificação, nenhum rastro. Sem sinal.
Soube que numa das caixas de diálogo toda a conversa foi arquivada e na outra, deletada.

quinta-feira, 16 de março de 2017

A GAROTA DO CANTO DA FESTA


N.A. Esse post deve ser lido ao som de The Lovercats do The Cure

Ela detestava festa de 15 anos, mas teve que ir a algumas. Principalmente pela exigência das roupas horrorosas da década de 80. Era pré-dark e usava botinas estilo coturno. Também tinha aversão ao pop e geralmente se divertia quando colocavam The Cure. Nessa hora os adolescentes faziam caras e bocas para o som estranho. Ela curtia quieta no canto.
Quando um rapaz se aproximava para um papo daqueles, fazia cara de Robert Smith. Teve o cabelo com corte de um lado semi-raspado e do outro meio Chanel. Usava minissaia camuflada e o eterno olhar blasé. Os meninos não gostavam muito.
As amigas eram meio Madonna Procura-se Susan Desesperadamente e usavam maquiagem nos olhos de cor verde. Era uódoborogodó! E só falavam de ficar e dançar com os meninos. Ela se isolava do salão e ficava só, geralmente naquilo que ela chamava de canto de invisibilidade. Ela era a garota do canto da festa.
Enquanto as mães reclamavam que suas filhas no viço da adolescência para juventude estavam namorando e esquecendo os estudos, a garota do canto da festa nutria amores platônicos, pelo menos isso a inspirava em suas poesias e choros sem sentido, derivados da mudança hormonal.
As quase mulheres de sua idade falavam de boatinhas dominicais. Ela, de sua experiência de tomar sozinha 10 garrafinhas de vodca que o pai ganhara de um embaixador. Apenas uma amiga entendia seus papos e lia seus escritos chamados EMPTY GARDEN, uma alusão a música do Elton John. Eram sobre amores oníricos em lugar não existente nos mapas, num caderno de capa com gravuras impressionistas.
Sim, era esquisita para os padrões. Ela adorava isso. Era seu refúgio e sua mãe dizia que ela vivia numa bolha. Gostava de se vestir como o Arnaldo Antunes dos Titãs e isso causava maior estranheza ao grupo juvenil.
Entre tantas festas, a garota do canto foi em uma delas num sábado à noite. A casa era enorme e isso desafiava qual seria o canto escolhido. Entre as “loiras geladas” do RPM, ela foi logo para o canto perto de uma escada antiga de madeira. Fez a cara de tédio. Em seguida começou a tocar Lovercats do Cure. Isso a animou e dançava sozinha no canto em slow motion e olhos fechados.
Ao abrir os olhos, seu grande amor platônico estava à sua frente e se ofereceu para dividir o canto. Ela gelou. Robert Smith no 3 em 1. Lovercats no fim. Ele a beijou e foi embora. Desde então ela saiu dos cantos da festa e hoje é a garota da pista, mas aí é outra história.
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sexta-feira, 10 de março de 2017

A CARTA QUE NUNCA FOI ENTREGUE


Há uma carta que foi escrita com tudo aquilo que um coração apaixonado poderia sentir. Uma carta que teve muita dor e sofrimento, porque se sabia ou se supunha que o destinatário levaria um tremendo susto e ficaria sem nada entender.
Uma carta de três páginas, em folhas de papel de um caderno universitário. O volume teve que ser cuidadosamente ajeitado no envelope branco. Na verdade teve que ser trocado por um super envelope, tinha uma fita K7 que acompanhava em áudio o conteúdo.
Isso porque a remetente tinha uma veia um tanto dramática e queria que, quando fosse lida, o destinatário entendesse o tom em que aquelas palavras foram escritas.
Aquelas três páginas com dezenas de parágrafos, foram escritas sobre a cama da pessoa apaixonada. Cada frase reveladora de seu amor era banhada por alguma lágrima mais rápida que seus dedos, que tentavam bloquear o líquido a cair no papel.
Foram construções de verbos com palpitações, crises de riso e choro, que só um ser histérico de amor pode fazer. O primeiro passo tinha acontecido. E isso foi uma vitória.
Agora era tomar coragem e entregar a carta para a pessoa amada. Essa que estava sempre ao seu alcance, mas devidamente limitada pela amizade. Aliás, grande amizade, o grande precipício de toda a relação.
Dentro da bolsa, o grande envelope. A autora não havia pensando numa estratégia. Foi surpreendida por um convite do ser amado; esse, afoito para lhe contar uma novidade. Como era de costume, havia carinho entre ambos, se gostavam sim. Eram amigos e cúmplices das conversas mais improváveis e saborosas do mundo.
Muito apressado, o amigo entrou num bar com ela, puxou a cadeira para que sentasse antes dele e logo pediu uma bebida. Estava eufórico, coisa não muito comum. Disse que tinha algo muito importante para lhe dizer.
Aqueles segundos foram os mais tensos e sonhadores daquela alma apaixonada. O pensamento dela entrou no túnel invariável da ilusão. Compôs até uma cena. “Meu Deus, ele vai dizer que me ama! Isso vai facilitar tudo. Nosso destino nos une...” e uma série de blá, blá, blás mentais.
Entre um gole e outro, ele pegou as mãos dela e se olharam fixamente. O coração dela disparou. E então ele disse que estava junto finalmente com a mulher que amava. Uma terceira pessoa.
O céu escureceu, os pássaros se calaram, a visão ficou turva.
Ela sorriu e comemorou a alegria dele, como toda boa amiga. Brindaram. Sorriram. E mais uma carta de amor se perdeu no tempo, no espaço, sem nunca sequer ser entregue.
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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

VENDE-SE TERRENO NA FRIENDZONE

Mimimi e Naná caminhavam por uma rua do bairro que um dia foi nobre, quando depararam com um imenso outdoor. VENHA PARA A FRIENDZONE! Basta um coração de entrada e você já pode adquirir o seu lote. A seguir vinham os telefones de contato e redes sociais.
- Naná, será que a Friendzone fica perto do centro nervoso?
- Nem imagino, mas me parece um lugar atraente, charmoso, promissor.
As duas ficaram a imaginar como seria viver nesse lugar misterioso, com ar sedutor e talvez, um empreendimento futuro mais viável em momentos de crise, especialmente as de solidão.
Ambas seguiram em frente e entraram no café da esquina. Escolheram a mesa redonda, a única nesse formato do estabelecimento, que tinha lá seu charme e a torta de maçã mais gostosa da cidade.
Feito o pedido, Naná e Mimimi continuaram a especular sobre o anúncio na Friendzone, até que Ad Aeternum, solteira convicta entrou no local.
- Oi Ad! – cumprimentou Naná.
-Oi! – respondeu Ad, que logo foi para a banqueta do balcão pedir seu café puro sem açúcar.
- Mimimi, o que você acha de convidarmos Ad para sentar conosco? Ela tem cara de quem sabe algo sobre Friendzone.
Em acordo, chamaram Ad para a mesa. A moça de pelo menos mais de três décadas, super na moda, informada e charmosa aceitou o convite.
Nem bem ela se acomodou, Naná perguntou se ela conhecia o novo empreendimento da cidade.
-Friendzone? Ah, conheço sim. Aliás, é o tipo de lugar que geralmente me situo.
As mulheres ficaram eufóricas e pediram detalhes. Então Ad começou a saga.
- É um lugar atraente no começo, parece perfeito para ser feliz. Mas a verdade é que os dias passam e você revoga a esperança para o dia seguinte. Isso porque existe um jardim maravilhoso, tudo que você planta nasce sabe, mas não dá frutos ou flores. As árvores crescem até um limite, as flores também, mas elas não passam de certa fase. Não há ciência que explique. Também acontece um fenômeno estranho, quando você vai ao playground, tudo é proibido, só alguns tem acesso. Você fica assistindo os outros se divertirem, embora prometam que na próxima você será o convidado especial. O sistema de segurança é ultra eficiente! Tecnologia de ponta. Ninguém, absolutamente ninguém entra na sua privacidade, só a pessoa que tem um código de acesso especial, porque ela monitora toda sua rotina, para se certificar de que você não sairá do perímetro de controle. Ah, a gente se sente tão cuidada!
Encantadas e um pouco confusas, Naná e Mimimi perguntaram se ela comprou um lote lá. Se o preço era caro ou barato. Se elas poderiam ir até lá para dar uma olhada.
- Olhem queridas, disse Ad, eu morei por algum tempo na Friendzone. Embora pareça promissor, é um lugar triste, ilusório, só há vantagem para o corretor. Lá é um lugar para quem quer viver sozinho, mas com a ilusão que num passe de mágica tudo isso vá mudar. Na realidade, as flores e os frutos nunca vão nascer, ninguém vai te visitar, é muito longe e sobre o custo: o mais alto que qualquer um pode pagar!
E Ad Aeternum pediu licença, pagou seu café e saiu não só do café como da Friendzone, fazendo jus ao seu nome.

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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

PSIU! VOCÊ ESTÁ VIVO

Com licença! Ei moça, ei moço, você pode olhar para mim enquanto eu falo?
Eles olharam por cima da pequena tela e como não falei por três segundos, continuaram suas vidas de pupilas dilatadas e dedos frenéticos nessa extensão do corpo que cabe na palma da mão.
Oras, não vou ser hipócrita, também gosto desse mundo conectado e hiperativo, sustentado por plataformas e aplicativos, que me levam do Ahú de Baixo a Paris literalmente num piscar de olhos.
Eu queria dizer para eles que no nosso bairro o carro do sonho acabou de passar, que os cães e gatos deram uma trégua nessa guerrinha criada por nós, homens, que a amoreira da esquina foi cortada, que o quilo da banana estava em oferta no mercadinho, mas a moça, o moço estão em outros links, quando poderiam estar nuns drinks, convenhamos.
E então me debato no limite entre ser nascida no século XX e viver (ainda) a ascendência da curva no século XXI e me beliscar mentalmente o tempo todo para saber que estou viva. Ah! as instituições sabem que estou viva, eu existo para a Receita. Sou um número longo. Existo em URLs, em busca do Google, ah, eu existo, uma crise a menos.
Eu, você e a Candinha da esquina somos notificações. Visualizações, somos likes e emojis. Olha só, e eu achando que não era nada!!!!
Mas eu entro no carro e começo a cantar sozinha e recitar meus mantras. Porque eu preciso sentir que faço isso sem condutores físicos, porque sou de carne, osso, sangue e colesterol baixo. Não quero enfrentar nem debater que as peles não se tocam com freqüência, pois basta ser um pim notificável, que você se faz presente. Fique contente com isso.
Eu só queria dizer “psiu! você está vivo”. E quem sabe tomar um cafezinho.

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