sexta-feira, 10 de março de 2017

A CARTA QUE NUNCA FOI ENTREGUE


Há uma carta que foi escrita com tudo aquilo que um coração apaixonado poderia sentir. Uma carta que teve muita dor e sofrimento, porque se sabia ou se supunha que o destinatário levaria um tremendo susto e ficaria sem nada entender.
Uma carta de três páginas, em folhas de papel de um caderno universitário. O volume teve que ser cuidadosamente ajeitado no envelope branco. Na verdade teve que ser trocado por um super envelope, tinha uma fita K7 que acompanhava em áudio o conteúdo.
Isso porque a remetente tinha uma veia um tanto dramática e queria que, quando fosse lida, o destinatário entendesse o tom em que aquelas palavras foram escritas.
Aquelas três páginas com dezenas de parágrafos, foram escritas sobre a cama da pessoa apaixonada. Cada frase reveladora de seu amor era banhada por alguma lágrima mais rápida que seus dedos, que tentavam bloquear o líquido a cair no papel.
Foram construções de verbos com palpitações, crises de riso e choro, que só um ser histérico de amor pode fazer. O primeiro passo tinha acontecido. E isso foi uma vitória.
Agora era tomar coragem e entregar a carta para a pessoa amada. Essa que estava sempre ao seu alcance, mas devidamente limitada pela amizade. Aliás, grande amizade, o grande precipício de toda a relação.
Dentro da bolsa, o grande envelope. A autora não havia pensando numa estratégia. Foi surpreendida por um convite do ser amado; esse, afoito para lhe contar uma novidade. Como era de costume, havia carinho entre ambos, se gostavam sim. Eram amigos e cúmplices das conversas mais improváveis e saborosas do mundo.
Muito apressado, o amigo entrou num bar com ela, puxou a cadeira para que sentasse antes dele e logo pediu uma bebida. Estava eufórico, coisa não muito comum. Disse que tinha algo muito importante para lhe dizer.
Aqueles segundos foram os mais tensos e sonhadores daquela alma apaixonada. O pensamento dela entrou no túnel invariável da ilusão. Compôs até uma cena. “Meu Deus, ele vai dizer que me ama! Isso vai facilitar tudo. Nosso destino nos une...” e uma série de blá, blá, blás mentais.
Entre um gole e outro, ele pegou as mãos dela e se olharam fixamente. O coração dela disparou. E então ele disse que estava junto finalmente com a mulher que amava. Uma terceira pessoa.
O céu escureceu, os pássaros se calaram, a visão ficou turva.
Ela sorriu e comemorou a alegria dele, como toda boa amiga. Brindaram. Sorriram. E mais uma carta de amor se perdeu no tempo, no espaço, sem nunca sequer ser entregue.
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